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Acordo livra incorporadoras de ressalva

Empresas poderão manter regras anteriores na elaboração dos balanços.

As auditorias chegaram a um consenso e não devem fazer ressalvas nos balanços das incorporadoras imobiliárias brasileiras que ainda adotarem as regras de contabilidade antigas para registrar no balanço o reconhecimento de receitas de vendas de imóveis na planta. Esse é um dos últimos temas de polêmica envolvendo a adoção do padrão internacional de contabilidade, o IFRS, pelo Brasil.

Segundo apurou a reportagem do Valor, as firmas tiveram pelo menos quatro encontros com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) desde dezembro até que, no último deles, realizado há cerca de dez dias, fecharam questão sobre o assunto.

Isso quer dizer que as auditorias vão dar parecer "limpo" - que significa em conformidade com a lei - para as incorporadoras que apresentarem seus números no chamado método POC (sigla em inglês do termo Percentage of Conclusion).

Por esse critério, as empresas imobiliárias reconhecem a receita de venda de imóveis residenciais de acordo com o percentual de andamento da obras.

Na prática, o consenso "permite" às auditorias contrariar o entendimento mais comum sobre o modelo contábil internacional IFRS, que passou a ser obrigatório no Brasil nos balanços referentes a 2010 e que são divulgados agora. No padrão IFRS, as incorporadoras costumam reconhecer a receita da venda de um imóvel toda de uma vez, no momento da entrega das chaves.

Essa regra é obrigatória mesmo para as empresas que tenham recebido parcela significativa do pagamento das vendas dos imóveis durante as obras.

A Rodobens Negócios Imobiliários será a primeira empresa do setor a apresentar o balanço e sem a ressalva, nesta quinta-feira. A auditoria da empresa é a Deloitte.

Segundo Luciano Guagliardi, diretor de relações com investidores da Rodobens, a Deloitte emitiu parecer sem ressalvas para o balanço de 2010 da empresa na reunião do conselho de administração realizada nesta segunda-feira.

"A Rodobens está de acordo com as orientações determinadas pela CVM, o órgão que regula o mercado", diz Guagliardi. "E a CVM reconhece o POC como o método que está em conformidade com o IFRS."

Procurada pela reportagem para comentar o parecer atribuído ao balanço da Rodobens, a Deloitte informou, por meio da assessoria de imprensa, que não tem por política fazer comentários sobre clientes.

As auditorias começaram os debates sobre o tema ressalvas em dezembro. Na ocasião, a CVM editou a Deliberação 653, que aprova a Orientação nº 4 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). A Orientação autoriza as incorporadoras a usarem o POC no balanço, em certas condições.

Segundo apurou a reportagem do Valor, o Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) recomendou às auditorias seguir um modelo de redação de parecer que diz respeito a esse item.

Conforme pessoas a par das reuniões que levaram as auditorias e a CVM a um consenso sobre os pareces, em vez de afirmar que os demonstrativos desobedecem os padrões do IFRS, conforme determinação do Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb), os auditores afirmarão que as normas seguem o IFRS, de acordo com as regras do Comitê de Pronunciamentos Contábeis.

Traduzindo ao pé da letra, o consenso deve evitar o desgaste das auditorias com os clientes, por conta de ressalvas, e com a CVM, que permitiu às incorporadoras usar o padrão POC.

Durante todo o ano de 2010, as incorporadoras imobiliárias brasileiras pressionaram os agentes reguladores para que a publicação dos balanços seguindo o padrão IFRS fosse prorrogada ou que as regras contábeis fossem mantidas. Venceu a segunda opção.

O que está por trás da resistências das incorporadoras em adotar o reconhecimento da receita nas chaves é o impacto que as novas regras provocariam nos seus resultados. Segundo estudo feito pelo banco Credit Suisse, em outubro de 2010, o percentual de queda nos resultados das empresas variaria entre 21% e 33% sobre as previsões do banco para 2011. O declínio médio seria de 28%.

De acordo com o analista Marcello Milman, responsável pelo levantamento, o impacto seria maior sobretudo nas incorporadoras que registraram o maior crescimento nas vendas nos últimos anos.

Procurados pela reportagem para comentar os critérios que levaram os auditores e a CVM a um consenso, o Ibracon e a autarquia não concederam entrevista.

Uma exceção ao IFRS parecida com essa também existe na Comunidade Europeia em relação a normas do Iasb ligadas a instrumentos financeiros. Possivelmente, também será aplicada exceção por Malásia e Índia no tema das empresas imobiliárias.

Mesmo sem ressalva, o parecer do auditor das incorporadoras deve trazer um parágrafo de ênfase, chamando atenção dos leitores do balanço para um item. Trata-se da dúvida que ainda existe sobre a aplicação das normas internacionais nesse ponto, que está em discussão no Comitê de Interpretação do IFRS (Ifric).

O Comitê atua exatamente para dirimir questionamentos sobre a aplicação das normas.

Esse ponto está na pauta da próxima reunião do Ifric, que ocorre nos dias 10 e 11 de março. Não há, contudo, certeza de que o comitê se manifestará sobre o caso no mesmo dia. O Ifric poderá apenas abrir a discussão e encerra-lá no futuro, o que é considerado mais provável pelo mercado.

Caso o Ifric chegue à conclusão sobre essa polêmica e se manifeste, o Brasil deve adotar essa determinação, seja quando for. Se ficar claro que o reconhecimento da receita deve ser feito pelo POC, os auditores poderão dizer que os balanços seguem o IFRS conforme emitido pelo Iasb. A ênfase, então, deixa de constar no parecer.

Caso contrário, caberá às empresas mudar a contabilidade para registrar a receita somente no momento da entrega das chaves, se não quiserem ter parecer adverso dos auditores.

 

Decisões locais colocam 'língua universal' em risco
 

Nelson Niero
 

Está ruim, mas está bom. Em essência, é mais ou menos isso que os auditores independentes vão escrever nos pareceres sobre os balanços das construtoras.

Pelo tempo que se gastou na discussão sobre quando se deve reconhecer a receita de venda de um imóvel, a pressão foi grande. O lobby das construtoras interessadas nas benesses contábeis do sistema anterior não é surpresa. O que pode ser mais difícil de entender é a posição da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), guardiã da boa informação financeira.

O fato é que se decidiu pela criação de uma vertente das Normas Internacionais de Contabilidade (IFRS, na sigla em inglês) de acordo com o Comitê de Pronunciamentos Contábeis brasileiro. Com isso, os balanços só serão comparáveis com os das construtoras da Malásia e da Índia. Já é uma evolução, diriam os mais otimistas.

Os arautos do IFRS, que discutem os destinos da língua universal da contabilidade em Cannon Street, no coração financeiro de Londres, têm questões maiores com as quais se preocupar desde que os banqueiros resolveram culpar os contadores pela crise financeira. Ainda assim, eles sabem que pequenas rachaduras podem causar grandes estragos.

A grande promessa do IFRS é dar aos investidores o poder da comparação. Idealmente, significa colocar numa planilha os números das principais empresas globais de um dado setor e tirar conclusões consistentes sobre eles. Se for preciso salpicar asteriscos para fechar a conta, os céticos, principalmente nos Estados Unidos, não vão deixar barato.

Fazer com que o maior mercado de capitais do mundo adote o IFRS é de longe o maior desafio para que a promessa se cumpra. Há críticos o bastante no país fazendo campanha para que isso nunca aconteça.

O americano Dennis Nally, presidente mundial da auditoria PwC, disse em entrevista recente ao Valor que acredita na necessidade de se caminhar para um sistema único. No entanto, é preciso garantir que haja consistência dos padrões. "É crucial a questão da independência do processo de adoção das normas em relação a pressões políticas, por exemplo", afirmou. "Se cada país puder modificar as normas, então voltamos ao ponto de partida."

 

Contexto
 

A discussão técnica travada é sobre quando a incorporadora transfere o controle, os riscos e os benefícios de um imóvel na planta para o comprador, pois é nesse momento que deve reconhecer a receita da venda.

Conforme a Orientação nº 4 emitida pelo CPC, que foi objeto de discussão no ano passado e aprovada pela CVM, há avaliação de que, nos contratos de promessa de compra e venda de imóveis na planta usados no Brasil, o mais comum é que haja transferência continuada dos riscos e benefícios do imóvel em questão. A possibilidade de venda da casa ou apartamento pelo comprador durante a obra e o recebimento proporcional de indenização em caso de desapropriação seriam algumas das evidências disso.

Em relação ao controle do imóvel, o CPC destaca que o comprador não tem poder para mudar as características do projeto, mas que a incorporadora também não tem, após o registro do memorial descritivo em cartório.

Se ao analisar os seus contratos a incorporadora concluir que o seu caso se insere nessa definição, ela deve fazer o reconhecimento da receita conforme o andamento das obras.

Já os auditores entendem que quem compra um apartamento na planta não assume nem controle nem riscos e benefícios do imóvel até a entrega das chaves, quando deveria ser reconhecida a receita. Para eles, o controle permanece com a incorporadora e a venda do bem depende de concordância. Sobre os casos de desapropriação, eles seriam exceção, e não a regra do mercado..

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