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Período de ciladas financeiras

Charlatões aproveitam obrigações compulsórias do início de ano para agir sobre os pagadores desavisados e emitir boletos falsos

O ano começa e com ele vem a época de maior incidência de fraudes. Neste período, são mais frequentes a abertura de empresas ou as contribuições sindicais, o que exige atenção quanto à atuação de falsários. O fato, comprovado na prática por contadores, advogados e empresários, requer muito cuidado por parte de quem gerencia as contas. 

 

Quando uma empresa realiza alterações cadastrais na Junta Comercial, seus dados são publicados no Diário Oficial. As páginas da publicação acabam virando uma fonte para golpistas, que têm nessas informações o embasamento para realização de crimes de estelionato e fraude. Esses criminosos também mascaram cobranças de sindicatos, associações, órgãos de classe e hospedagem de sites na internet para ganhar dinheiro indevidamente. 

Desde que abriu a sua empresa, há sete anos, são dezenas de boletos falsos que se acumulam, mensalmente, na caixa de correspondência do técnico em contabilidade Dilênio Enderle. Proprietário da produtora Dewide Digital Vídeo, Enderle recebe cobranças referentes à hospedagem do site da empresa. 

Além disso, outras faturas indevidas, relativas à contribuição sindical, assinatura de revistas ou pagamento pelo registro de marca, também foram recebidas por ele.

Enderle afirma que a atuação de seu contador, Guilherme Oliveira Araújo, da MVG Assessoria Contábil, foi fundamental para identificar os crimes. Alertado para observar os detalhes de cobrança, o empresário teve o primeiro estranhamento em relação a uma fatura devido ao alto valor apresentado no boleto. 

“Estávamos preparados para pagar R$ 30,00 e recebemos uma cobrança de R$ 136,00. Então percebi que algo estava errado”, relata. Se estivessem desavisados, os donos da produtora desembolsariam pelo menos R$ 2 mil por ano em boletos falsos. 

A melhor forma de evitar esse tipo de situação é a prevenção. Conforme a advogada trabalhista Natalina Rosane Gué, a consulta ao contador é o melhor jeito de se prevenir. “É o profissional que vai verificar se o pagamento é legítimo e se tem autorização dos diretores, no caso de uma empresa grande”, afirma. 

Se não houver autorização, é um indício de fraude. Os criminosos usam siglas parecidas com as dos órgãos legalmente constituídos para dificultar a percepção dos desavisados, adverte.

Araújo destaca que esse tipo de ação é muito comum principalmente com microempresários. Entre seus clientes, vários receberam cobranças indevidas de federações, associações ou sindicatos. “Eles enviam como se fosse uma contribuição obrigatória, mas não é, e o pagamento não rende benefício algum para quem contribuiu”, explica. 

De acordo com a CLT, a contribuição sindical é obrigatória para todas as categorias que atuam com registro profissional. Os valores são fixados por categoria, e cada sindicato tem o seu valor. No entanto, pela própria legislação, o microempresário está isento de qualquer contribuição sindical, mas por falta de conhecimento ou de assessoria, muitos caem na cilada.

Com o intuito de evitar pagamentos indevidos, Araújo aconselha que seus clientes sempre lhe mostrem documentos com cobrança. Para identificar as fraudes, ele leva em consideração a natureza e a origem do boleto. “A gente avisa: banco, ou órgão público, jamais envia e-mail, portanto, não se deve transmitir nenhum dado via internet”, aconselha. 

É preciso estar atento à identificação da fatura e aos tipos de empresas com as quais se têm relação comercial. Em casos como este, alerta Natalina, ligar para a entidade e questionar sobre a legitimidade da cobrança é uma atitude aconselhável. 

Outra estratégia é verificar junto ao banco se a leitura do código de barras (nome da instituição e a agência do beneficiário) confere com os dados que estão descritos no boleto. “Se a agência do pagamento for localizada em uma cidade diferente da cidade da empresa e do prestador de serviço, já é um indício para se desconfiar”, afirma a advogada.

Em situações de dúvida, uma boa opção é pesquisar no site da Federação Brasileira de Bancos (febraban.org.br), onde podem ser identificados o nome dos bancos, o código, detalhes de localização, e se a agência existe. 

Cautela e prevenção podem evitar prejuízos

Assim como a contribuição sindical favorece a ação dos charlatões no início do ano, épocas de grandes eventos mundiais também são propícios para a ação dos cibercriminosos. Uma recente pesquisa realizada pela Symantec - empresa do ramo de tecnologia da informação - mostrou que eventos esportivos, como os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo, desencadeiam fraudes online, websites falsos, falsificação de identidade e ataques de spam, além da atividade de hackers. 

A África do Sul, que irá sediar a Copa este ano, já começou a experimentar um aumento na quantidade de spams e de outras atividades ilegais, incluindo danos a websites do governo. O especialista em Segurança de Tecnologia de Informação e gerente de Engenharia de Sistemas da Symantec, André Carraretto, explica por que isso ocorre. “Os cibercriminosos fazem links com assuntos da atualidade para aumentar a curiosidade das pessoas. Assim é mais fácil fisgar o clique do internauta.” 

Como os fraudadores agem sobre a emoção das pessoas, é necessário questionar o tempo todo e estar atento às formas de prevenção. 

O especialista alerta que, se por um lado a proteção e a conscientização do usuário da internet são passos fundamentais, por outro é preciso adotar medidas de proteção tecnológica. 

De acordo com o Relatório Symantec sobre Ameaças à Segurança na Internet, um dos fatores que influenciaram a aceleração da atividade de spam foi o aumento da conectividade por banda larga. Segundo Carrareto, deve demorar um tempo para aumentar a prevenção por aqui. Mesmo com a regulamentação do e-mail marketing, ele acredita que os crimes no mundo virtual devem permanecer, afinal, quem manda o “spam terrorista” o faz pelo submundo, e não vai obedecer às normas. “É difícil estabelecer regras na internet, uma vez que tudo é muito dinâmico e fica complicado ter controle completo.”

Internet amplia campo de ação de criminosos

Além de ajudar o falsário no quesito informação, a tecnologia auxilia também na questão financeira. O custo de mandar e-mail é menor do que remeter cartas. E, pela internet, a ação pode ser muito mais abrangente. “Se a pessoa dispara milhões de e-mails, pelo menos 0,001% de quem receber vai clicar, acreditando que é verdade. A tecnologia permite isso, e o bandido age em cima da boa fé das pessoas”, afirma Edgar Serrano, presidente do Sindicato das Empresas de Informática do Rio Grande do Sul (Seprorgs). Segundo ele, esse tipo de crime ainda ocorre por causa da desinformação, e como as estratégias dos cibercriminosos atuam sobre questões afetivas ou financeiras, é mais fácil ser enganado.

O selo de certificação digital é bom recurso para o internauta saber se o serviço é original ou não. Os bancos adotaram, recentemente, diversos tipos de registros e cadastramento para efetuar os trâmites com segurança. Sistemas de firewall e antivírus bem atualizados são outras formas apontadas por Serrano para evitar que as pessoas caiam neste tipo de armadilha. Segundo ele, as empresas atualmente estão investindo pesado para se protegerem do ataque de hackers e ladrões de informação.

Usuário leigo, bandido especialista

Um código criado em conjunto entre 14 entidades que atuam na divulgação de produtos e serviços por e-mail deverá ajudar usuários e empresas a se protegerem. Dentre os objetivos buscados pelo Código de Autorregulamentação para a prática de E-mail Marketing está a discriminação daquilo que pode ser considerado spam em relação a um e-mail marketing. O que se pretende com isso é uma relação mais responsável com os consumidores. Um dos idealizadores do código é o presidente do Conselho Superior de Autorregulamentação do E-mail Marketing - Capen, Jaime Wagner.

Segundo ele, a regulamentação vai contra o espírito da própria internet, que foi concebida para ser um espaço aberto e democrático, mas sua importância provém da necessidade de maior controle e fiscalização das ações ilícitas que ocorrem na rede. 

Hoje, o Brasil está no topo dos países que mais contribuem com vírus por meio de spam.

Em 2009, ocupou o lugar da China, que se protegeu com avançados sistemas de segurança na tecnologia da informação. Os computadores daqui também são os que mais participam de “redes-zumbi” - computadores que permitem que estelionatários pratiquem crimes virtuais de diferentes locais do mundo. “A principal razão disto é que o brasileiro não sabe se proteger”, afirma Wagner. 

Para ele, o grande problema é que os usuários são leigos, e os bandidos, muito especializados. O uso de softwares pirateados e a falta de atualização do computador agravam o problema. 

Entre os tipos de e-mail que mais atrapalham a vida dos usuários da internet, Wagner destaca quatro categorias. O “phishing”, que é aquele e-mail que parece ser aviso de banco ou da Receita Federal e, na verdade, é um site falso. O segundo tipo é o “border line” ou “contraventor”, o indivíduo que vende artigos ilícitos na internet, mas que tem uma conta identificável. Outro tipo - que o código também pretende controlar - é o “e-mail marketing ingênuo”. São empresas que compram bancos de dados e cadastros e disparam mensagens visando à prospecção de mercado. Embora não seja contra a lei, é um uso incorreto do e-mail enquanto ferramenta de trabalho. 

A quarta e última categoria é o “e-mail marketing profissional”. Essa terá que obedecer uma concordância sobre o uso politicamente correto da internet. “A regulamentação vai entrar em vigor a partir de março, teremos uma central de denúncias e o anunciante que não se enquadrar poderá ter seu domínio cassado.” A nova regra valerá tanto para empresas quanto para jornalistas ou políticos, que fazem amplo uso do e-mail para divulgação de eventos ou notícias.

Descoberta quadrilha do boleto falso

Um grupo que aplicava o golpe do boleto falso em São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Bahia e Minas Gerais foi preso pela Polícia Civil. Nas fraudes, os estelionatários aplicavam golpes por telefone em relação à atualização de dados cadastrais para fazer publicidade gratuita em listas telefônicas e enviavam boleto em nome de Associação Comercial e Empresarial do Brasil, com valores de contribuição sindical. Só em São Paulo, foram pelo menos 100 vítimas. 

Descoberta no ano passado a partir de denúncia de vítimas cariocas, a fraude vinha sendo investigada desde dezembro. Os 20 presos foram liberados porque a polícia acredita que são laranjas, mas, se comprovada a participação no crime, serão indiciados por estelionato, crime contra relação de consumo, formação de quadrilha e emissão de duplicata simulada.

 

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