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Geradoras escapam de regra contábil

Auditores chegam a consenso de que norma que afeta ativo fixo de concessionárias não se aplica a essas empresas

A maior parte das geradoras de energia elétrica não terá que seguir, a partir deste ano, as novas e complexas regras contábeis previstas para os contratos de concessão. Já as distribuidoras e transmissoras de energia, em sua maioria, terão que se adaptar aos normativos previstos no ICPC 01, que traduz a regra internacional Ifric 12. Se dependesse da vontade das empresas, a maioria diria que a regra não se aplica aos contratos vigentes no Brasil, principalmente para evitar o trabalho de adaptação. Mas, com as devidas exceções, essa não foi a conclusão dos auditores independentes.

 

A norma internacional prevê que duas condições precisam ser atendidas, ao mesmo tempo, para determinar quais entidades devem seguir o Ifric 12, que altera a classificação dos bens atualmente registrados no ativo imobilizado de concessionárias de serviços públicos.

A mudança principal é que os bens concedidos não podem ser registrados como ativo fixo da empresa, já que eles pertenceriam ao governo. Dessa forma, uma das condições para que a empresa esteja enquadrada na nova norma é que o contrato determine a devolução da infraestrutura objeto da concessão no futuro. O outro critério que tem que ser preenchido é que o preço cobrado seja controlado pelo poder concedente.

Para evitar tratamentos distintos para casos semelhantes, o grupo técnico que acompanha o setor elétrico no Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) chegou a um consenso neste início de ano de que a regra não se aplicará às geradoras de energia porque, apesar de elas terem que devolver a infraestrutura ao poder concedente, há liberdade para determinação do preço da energia vendida. "Na maioria dos contratos, a receita é livre", explica Wanderley Olivetti, diretor nacional técnico do Ibracon. "Pode ser que tenha alguns contratos com características diferentes, que terão que ser analisados caso a caso" acrescenta.

Segundo a chefe do grupo técnico da área de energia do Ibracon e sócia da Deloitte, Iara Pasian, a visão de que o ICPC 01 não se aplica para as geradoras vale mesmo no caso dos novos contratos, como das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau. Nesses casos, 70% da energia vendida fica com o mercado cativo, com tarifa definida. O restante é comercializado no mercado livre, com preço flutuante. Segundo alguns auditores, essa parcela de 30% já seria relevante para que o preço não fosse considerado controlado. Mas o argumento ganha peso quando se considera que o valor do MWh no mercado livre é mais caro, o que acaba equilibrando a receita em cerca de 50% para cada segmento.

No caso das distribuidoras, houve o entendimento contrário, já que as tarifas são definidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e há a obrigação, nos contratos antigos e novos, de devolução da infraestrutura ao poder concedente.

De acordo com Iara, os valores que estiverem registrados atualmente no ativo imobilizado das distribuidoras terão que ser realocados para duas novas contas, mas sem mudança do montante total na data inicial.

A parcela referente à indenização prevista para ser paga pelo governo no término da concessão será registrada como ativo financeiro, uma vez que seu recebimento é tido como certo em uma data futura. A fatia ligada ao fluxo esperado de receita com tarifa de venda de energia, que depende da demanda dos consumidores e, em consequência disso, se torna incerta, será contabilizada como ativo intangível. Esse valor será amortizado ao longo do prazo de concessão e estará sujeito a teste de recuperabilidade ("impairment").

Para as transmissoras, a conclusão foi de que o ICPC 01 terá que ser aplicado e que os valores atualmente registrados no imobilizado terão que ser reclassificados como ativo financeiro.

Voltando ao caso das geradoras, embora a não adoção da nova norma signifique economia de trabalho, há pontos que podem ser vistos como negativos, especialmente por empresas com contratos mais recentes, como as usinas Santo Antônio e Jirau.

Isso porque, além de mudar a forma de contabilização dos ativos, a norma internacional altera o momento de apuração das receitas de construção relacionadas com as concessões.

Se o ICPC 01 valesse para essas geradoras, por exemplo, seria possível reconhecer receitas de construção já na fase atual das obras, e não apenas após a entrada em operação das usinas, em 2012.

Consequentemente, haveria a possibilidade de apuração de lucro e distribuição de dividendo antecipadamente, o que poderia tornar as empresas mais atraentes para investidores.

A regra diferente de apuração de receita de construção deve gerar impacto no balanço das transmissoras, especialmente daquelas com contratos mais recentes, assinados depois de 2004.

Como se trata de uma mudança de prática contábil, as empresas de transmissão terão que recalcular as receitas e custos de construção da infraestrutura no passado. Se as companhias entenderem que houve lucro durante essa fase - caso o montante efetivamente gasto tenha sido menor do que o valor justo dos ativos -, elas deverão registrar esse ganho acumulado no patrimônio líquido. No caso de haver essa antecipação de receita, os ganhos futuros dessas empresas tendem a ser menores.

Para as distribuidoras, de acordo com Iara Pasian, a expectativa é que a margem atribuída para o segmento de construção seja zero, já que a maior parte desses serviços são terceirizados

 

Valor do ativo terá de ser recalculado por companhias

Pode ser que o tiro tenha saído pela culatra. Se as geradoras de energia se livraram da complexa norma contábil dos contratos de concessão, acabaram se obrigando a cumprir outro normativo, também polêmico, que pode ser tão custoso quanto, ou até mais.

Segundo a sócia de auditoria da Deloitte Iara Pasian, ao ficar de fora do ICPC 01, as geradoras terão de seguir o que diz a norma sobre ativo imobilizado, que é o CPC 27. Para cumprir esse normativo, no entanto, as empresas têm de "descontaminar" o registro atual do imobilizado, que inclui capitalização de juros e despesas de administração.

Entretanto, de acordo com Iara, os auditores consideram essa separação de valores impraticável. "Na vida real, com a inflação que tivemos no Brasil, é muito difícil fazer isso item a item", afirma a especialista.

Desta forma, como alternativa, as empresas terão de seguir outro normativo contábil, que é o ICPC 10, que permite, na primeira adoção do padrão contábil internacional, a atribuição de um novo custo para o ativo imobilizado, que substitui o registro histórico.

"Talvez as empresas não tenham tido ainda a dimensão desse assunto. No caso das geradoras, o imobilizado representa de 60% a 80% do valor do ativo. Imagina a relevância disso", diz Iara.

Se a empresa optar e conseguir fazer a descontaminação dos ativos, deve haver um ajuste negativo no patrimônio líquido.

Caso a escolha seja por seguir o ICPC 10, a expectativa é que haja um ajuste para cima no valor do ativo e do patrimônio, já que a conta será feita com base no custo de reposição do bem (depreciado conforme o prazo de concessão).

A partir daí, as geradoras de energia terão de encarar outro ponto polêmico, que terá de ser enfrentado não apenas pelas empresa do setor, mas por todas as que decidirem seguir o ICPC 10, que é recomendado para as empresas em geral, mas opcional.

Como o valor do ativo imobilizado será ajustado para cima, as empresas vão depreciar pela segunda vez bens que já haviam sido depreciados no passado. Isso tem efeito negativo sobre o lucro da companhia e consequentemente sobre o dividendo mínimo obrigatório a ser distribuído.

Quando editaram a norma, no fim do ano passado, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Comitê de Pronunciamentos Contábeis pediram que as empresas que adotarem o ICPC 10 informem aos seus acionistas o que pretendem fazer em relação aos dividendos - ou seja, se vão excluir esse efeito do lucro para cálculo do valor a distribuir ou não.

Não há obrigação de fazer o ajuste, apenas de dar transparência ao que será feito.

 

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