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Proteção do Patrimônio Pessoal: quais medidas o empreendedor deve tomar?

Se a sua empresa acumular dívidas ou estiver próxima de fechar, como você pode proteger seus bens familiares e pessoais, de acordo com a lei?

A prolongada crise econômica atual abre caminho para enfrentarmos a importante e delicada questão da proteção do patrimônio pessoal do empreendedor. Veja nesse artigo quais medidas são fundamentais para todo empreendedor tomar, como forma de se resguardar.

O sócio da sociedade limitada não tem responsabilidade limitada?

A sociedade limitada costuma ser o tipo societário adotado por empreendedores. Foi ela que popularizou no Brasil o importante instrumento da limitação da responsabilidade dos sócios ao capital da sociedade. Ao constituir uma sociedade limitada, o empreendedor faz constar do seu contrato social o valor do investimento que será realizado, o capital social. Uma vez registrado o contrato social na Junta Comercial, o capital da sociedade torna-se público, podendo ser consultado por credores, empregados, consumidores e quem mais se relacionar com ela. Desse registro, nasce uma pessoa jurídica, com patrimônio próprio, separado do patrimônio pessoal dos sócios.

Uma vez constituída, a sociedade ganha vida própria, estabelecendo relações com empregados, fornecedores, clientes, o fisco, bancos e outros. Com o seu desenvolvimento, a empresa deixa de interessar apenas aos sócios que a constituíram ou mesmo a eventuais futuros sócios, passando a ser também do interesse de todos esses atores que com ela se envolvem.

Cada um deles se beneficia da empresa de acordo com a sua respectiva relação, ou seja, os empregados obtêm trabalho, os fornecedores vendem seus produtos e serviços, os clientes compram os produtos e serviços que desejam, o fisco arrecada tributos, os bancos fornecem produtos e serviços bancários e assim por diante. E muito importante: todos se relacionam com a sociedade conhecendo o valor do seu capital social e, portanto, sabendo o limite até o qual ela se responsabiliza perante eles, dentro das possibilidades do seu próprio patrimônio.

Assim, se a empresa não dá certo e quebra, o que deveria acontecer, pela legislação societária, é que cada um que se beneficiou dela perderia um pouco, de acordo com a natureza e a extensão do seu envolvimento: os sócios perderiam o investimento que fizeram, os fornecedores deixariam de receber algum pagamento pelos produtos e serviços que venderam, os empregados deixariam de receber alguma remuneração pelo trabalho que realizaram, o Fisco deixaria de arrecadar algum valor em tributos, os bancos perderiam algum valor em produtos e serviços bancários e assim por diante.

Os créditos a serem recebidos da massa falida da sociedade e a sua ordem de prioridade são previstos pela legislação falimentar e levam em conta a natureza dessas relações, como, por exemplo, a importância da proteção a vítimas de acidente do trabalho e aos empregados no geral, que são considerados credores prioritários. O fundamento jurídico é o da justiça distributiva, em que se busca o equilíbrio de atribuir a cada um o ônus correspondente ao benefício que teve ou procurava ter, observada a natureza das diferentes relações.

Mas não é isso o que acontece.

Pouco tempo após a introdução da sociedade limitada no País, os juízes e tribunais brasileiros passaram a ser chamados a julgar casos em que os sócios tinham feito mau uso da limitação de responsabilidade, valendo-se dela como forma de não honrar dívidas pessoais suas ou deixar de cumprir alguma obrigação legal. Nesses casos, os juízes e tribunais passaram, com razão, a aplicar a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade para responsabilizar os sócios.

Em paralelo, o Brasil foi desenvolvendo sistemas jurídicos de proteção dos créditos decorrentes de algumas dessas relações, em especial as relações com os empregados, os consumidores, o Fisco e o meio ambiente. O desenvolvimento desses sistemas de proteção foi uma importante conquista em um país em que tais créditos eram – e ainda são – frequentemente desonrados. Ocorre que, ao ensejo dessa evolução, os juízes e tribunais brasileiros passaram a admitir a desconsideração da personalidade jurídica para responsabilização dos sócios também na mera presença de quaisquer desses créditos, por assim dizer, privilegiados. E, aos poucos, essa possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica foi sendo incorporada pela própria legislação, como no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor.

Como resultado desse processo, o que nós temos hoje, do ponto de jurídico, é o seguinte: pela legislação societária, a regra é a limitação da responsabilidade dos sócios ao valor do capital da sociedade, mas, além dessa limitação poder ser afastada nos casos do seu mau uso pelos sócios, ela também comporta as exceções de mera presença de quaisquer dos citados créditos privilegiados.

Ora, quem é empreendedor no Brasil sabe que, a menos que existam eventuais obrigações relativas a uma atividade ou setor econômico específico (como obrigações ambientais para empresas do setor químico, por exemplo.), as obrigações tributárias e trabalhistas representam a grande exposição a que está sujeita hoje uma empresa brasileira. Dessa forma, muito embora, do ponto de vista jurídico, os casos em que se admite a desconsideração da personalidade jurídica para fins de responsabilização dos sócios sejam exceções, do ponto de vista econômico, eles são a regra.

A “miopia” da legislação brasileira

Como visto, pela legislação brasileira atual, os empregados, o Fisco, os consumidores etc. recebem seus créditos contra a empresa quebrada não apenas até o limite do seu patrimônio, mas também até o do patrimônio pessoal do empreendedor. O objetivo da legislação é proteger referidos atores nas suas relações com a empresa, mas, na realidade, o que acaba acontecendo é justamente o contrário: com tal exposição, os empreendedores se dispõem a ter um nível de atividade empresarial muito menor do que teriam se seu patrimônio pessoal não estivesse em risco e, por consequência, geram muito menos empregos, tributos, produtos e serviços etc.

Costumamos dizer que a legislação brasileira é “míope” a esse respeito, ou seja, não enxerga de longe: no curto prazo, ela protege o crédito dos empregados, do fisco, dos consumidores etc., mas, no longo prazo, acaba por gerar muito menos oportunidades e renda para eles próprios.

É preciso olhar ao longe e reconhecer que, com esse sistema jurídico, todos saem perdendo, não só os empreendedores.

A quebra da empresa não é punição para o empreendedor

É importante mencionar também que, pela legislação falimentar moderna, a quebra de uma empresa não é uma punição ao empreendedor que não teve sucesso. Ela é um meio de propiciar o maior aproveitamento possível do que foi construído, inclusive mediante a aquisição dos bons ativos por concorrentes ou outras empresas no mercado, muitas vezes em outros setores da economia ou com diferentes modelos de negócios. É uma forma de sanear e aumentar a eficiência da economia como um todo.

Na quebra, como dito, o empreendedor já perde todo o investimento que fez, não havendo razão para que seja punido por tentar fazer uma empresa e não conseguir. Aliás, a tentativa e erro é inerente ao processo de construção de uma empresa. Esse processo deve ser incentivado, e não reprimido. A desconsideração da personalidade jurídica para responsabilização do sócio que fez mau uso da limitação de responsabilidade é cabível e esperada. Mas a responsabilização do empreendedor com seu patrimônio pessoal pelos créditos privilegiados, muitas vezes o levando à ruína, é punição desproporcional e desestimula profundamente o empreendedorismo.

Ainda que muitas vezes não tenha conhecimento pleno ou detalhado da legislação em questão, todo empreendedor “sente” o risco que toma ao construir uma empresa no Brasil e por consequência reduz, quando não abandona, a sua atividade empresarial.

Enquanto a realidade não muda, o que o empreendedor pode fazer? Proteção de patrimônio pessoal é ilegal?

O tema da proteção de patrimônio pessoal dos sócios – ou “blindagem patrimonial”, como também é chamado – geralmente remete à ideia do uso de artifícios ou expedientes fraudulentos para evitar o pagamento de dívidas ou obrigações, como o já mencionado acima. Assim, a abordagem do assunto costuma dar margem a interpretações equivocadas, tornando o tema delicado. Entretanto, pensamos que, especialmente no atual momento de prolongada crise econômica, em que muitas empresas passam por sérias dificuldades financeiras, é preciso enfrentar o tema, apontando para os empreendedores o que eles podem ou não fazer.

Antes de mais nada, o que os empreendedores devem fazer em relação à sua empresa

É importante o empreendedor dedicar o investimento adequado para a sua empresa, registrando o seu valor como capital social nos atos constitutivos da sociedade. O financiamento da empresa por meio de dívida ou meios mais informais leva à sua subcapitalização, o que pode ser alegada como fundamento de desconsideração da personalidade jurídica para fins de sua responsabilização (com seu patrimônio pessoal).

Mais importante do que isso ainda é não confundir o patrimônio da empresa com o seu próprio. A confusão desses dois patrimônios é fundamento comum para a desconsideração da personalidade jurídica. Se o próprio empreendedor não respeita a separação entre o patrimônio da sua empresa e o seu patrimônio pessoal, não se pode esperar que os juízes e tribunais irão fazê-lo.

E, por fim, cumpre mencionar que a pessoa jurídica da empresa não pode, é claro, ser utilizada como forma de evitar o pagamento de obrigações, como nos casos de abandono de pessoas jurídicas endividadas, ou outros casos de fraude à legislação. Como citado acima, esses são casos frequentes de desconsideração da personalidade jurídica para responsabilização com o patrimônio pessoal do sócio.

Medidas legais de proteção do patrimônio pessoal

Bem de família

A maioria das pessoas já ouviu falar que sua residência é considerada bem de família. Esse instituto jurídico faz do imóvel residencial impenhorável por credores. O que nem todo o mundo sabe, contudo, é que é possível averbar na matrícula do imóvel que ele consiste em um bem de família. A averbação faz com que o próprio cartório de Registro de Imóveis impeça a penhora judicial do imóvel por credores.

Sem ela, a penhora é realizada, e o proprietário deverá levantá-la no curso do processo judicial (em que foi realizada), mediante a apresentação de provas de que se trata de bem de família. Essa averbação pode ter um custo um pouco mais elevado do que o esperado, principalmente nos grandes centros urbanos, mas, tratando-se da tranquilidade de o empreendedor manter a própria casa, pode ser que valha a pena, especialmente se os planos forem de residir no imóvel por um longo período de tempo.

Doações com cláusulas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade

Uma medida mais ampla é a doação de bens gravada com as cláusulas restritivas, isto é, incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade. O empreendedor que sabe que tem um risco elevado de perder seu patrimônio pessoal para os credores da sua empresa pode doá-lo para terceiros, especialmente seus herdeiros, antecipando a sua sucessão. Mesmo com as precauções citadas acima (ausência de subcapitalização da empresa, de confusão patrimonial e de mau uso da personalidade jurídica), o empreendedor normalmente “sabe” se corre o risco real de perder o seu patrimônio pessoal para as dívidas da sua empresa. Nessa situação, a doação com as cláusulas restritivas pode ser a medida adequada (lembrando-se que, em caso de quebra, o investimento feito pelo empreendedor irá se perder).

A incomunicabilidade é a cláusula pela qual o bem doado fica impedido de ser transferido no futuro para o cônjuge do donatário (quem recebe a doação). O objetivo é que o bem fique na família do doador. A impenhorabilidade é a cláusula pela qual o bem doado fica a salvo de penhora por parte de eventuais credores do donatário.

Muito embora, seguindo a mesma tendência da jurisprudência da pessoa jurídica, os juízes e tribunais brasileiros vêm decidindo pela sua ineficácia em relação aos créditos privilegiados (contra o donatário, e não o doador). E a inalienabilidade é a cláusula pela qual o bem doado não pode ser vendido. Geralmente limitada a um certo período de tempo, como, por exemplo, o tempo de vida do doador, é muitas vezes adotada como um reforço da impenhorabilidade contra os citados créditos privilegiados, uma vez que a jurisprudência reconhece que um bem inalienável não pode ser penhorado.

Contudo, a doação não pode ser feita em fraude contra credores, ou seja, quando o doador já tem uma dívida em seu nome. De modo contrário, o credor poderá ingressar com uma ação judicial denominada pauliana, com o objetivo de obter a anulação da doação e reaver o bem no patrimônio do donatário. O prazo decadencial da ação pauliana é de 4 anos, a contar da doação.

E a doação também não pode ser feita em fraude à execução, isto é, quando o doador tem contra si processo judicial. Se feita em fraude à execução, o juiz poderá considerar a doação ineficaz em relação ao credor e penhorar o bem no patrimônio do donatário. Diferentemente da fraude contra credores, a fraude à execução não está sujeita a prazo decadencial, podendo o juiz reconhecê-la a qualquer momento no processo. E ela pode inclusive trazer consequências penais para o doador.

Doações para entidades fiduciárias no exterior

Alternativamente à doação de bens a herdeiros, o empreendedor pode fazer uso de entidades legais fiduciárias no exterior, como trusts e fundações privadas. Geralmente destinados a gerenciar recursos financeiros em favor de seus beneficiários, as entidades fiduciárias costumam ser uma alternativa adequada quando a doação para pessoas naturais não for desejável por qualquer motivo ou que se trate de recursos financeiros que devam ser mantidos sob gestão profissional de um banco ou gestora de investimentos independente.

Essa é naturalmente uma alternativa que faz sentido para empreendedores que têm bens no exterior e não têm dificuldades em administrar essas entidades legais no dia a dia.

As mesmas observações feitas em relação à fraude contra credores e à fraude à execução acima aplicam-se às doações para as entidades fiduciárias estrangeiras, além da ressalva de que o empreendedor deve cumprir todas as obrigações fiscais e cambiais correspondentes.

Outros bens impenhoráveis

O empreendedor pode ainda fazer uso dos planos de previdência privada. Os recursos mantidos nesses planos podem não trazer altas rentabilidades financeiras, mas gozam de impenhorabilidade, que vem sendo confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, além de não precisarem ser partilhados por meio de inventário no caso de falecimento do seu titular. É comum assim que sirvam como uma reserva do empreendedor para a situação de quebra, servindo também para que os seus dependentes façam frente a despesas após o seu falecimento.

Conclusão: planejamento patrimonial

Como se pode ver, as medidas de proteção de patrimônio pessoal são legais e legitimas quando realizadas em planejamento patrimonial, tendo em vista a exposição do empreendedor a risco. Doações de bens para herdeiros ou entidades fiduciárias já diante de uma dívida ou processo judicial não é mais planejamento, mas fraude ou outro ato repreendido pelo direito. Com os credores defendendo seu direto de crédito com diligência, dificilmente os bens poderão ser preservados.

Enquanto lutamos para melhorar nosso sistema jurídico, fazendo da limitação da responsabilidade do sócio ao capital social um instrumento de incentivo ao empreendedorismo, é recomendável que o empreendedor avalie bem o risco que a sua empresa representa, tome as precauções para evitar a desconsideração da personalidade jurídica para fins de responsabilização do sócio e, com o máximo de antecedência possível, faça o seu planejamento patrimonial, deixando a salvo ao máximo possível o seu patrimônio pessoal.

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